quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Marajó, minha ilha, meu chão...

Não é possível escrever a história social paraense sem o conhecimento da obra de Dalcídio Jurandir. Pouco a pouco ela se faz necessária e indispensável...(Vicente Salles)



Quero fazer deste espaço, um espaço onde eu possa mostrar e falar, como nativa, pesquisadora, apaixonada, antropóloga, do meu lugar, da minha aldeia, de minha grande ilha, de seu povo, de sua gente, de seus ciclos naturais, da água que invade as casas, da estiagem que racha o solo e do que vivo e vejo, nesta imensidão de ilha...


A ILHA DO MARAJÓ



Localização
Venha comigo fazer uma viagem no tempo, atravessando a baia do Marajó, e ancorar na Ilha Grande de Joanes e conhecer um pouco desse universo amazônico que é o Marajó.
Localizada ao norte do Brasil, nordeste do Estado do Pará, na desembocadura do rio Amazonas, está a Ilha do Marajó, a maior ilha fluvio-marinha do mundo, com uma área de 49.606 Km2, formada por 12 municípios, que com outras ilhas, em destaque as ilhas de Caviana, Mexiana e Gurupá, formam o arquipélago do Marajó.
A Ilha do Marajó está dividida naturalmente em dois grandes ecossistemas. A leste tem-se as regiões dos campos naturais, onde estão localizados os municípios de Cachoeira do Arari, Chaves, Soure, Salvaterra, Ponta de Pedras e Santa Cruz do Arari. Na parte oeste da Ilha, denominada de região dos furos, estão os terrenos mais baixos, sujeitos a inundações periódicas, e também a densa floresta que se estende até sudoeste da ilha, ocupando a maior parte da mesma. Esta região é formada pelos municípios de Afuá, Anajás, Breves, Curralinho, Muaná e São Sebastião da Boa Vista. O relevo da região é relativamente plano, ocorrendo extensões na costa leste com altitudes mais elevadas.


Chuva e seca
O período de chuvas no Marajó é distribuído de forma desigual, concentrando-se entre os meses de fevereiro e maio, ocasionando a cheia, que inunda 2/3 da Ilha, transformando as paisagens. O período de estiagem ocorre entre agosto e dezembro, sendo também rigoroso, secando lagos e rios e impossibilitando a navegação em determinados cursos, mudando também a cor dos campos, onde o verde dá lugar a um amarelo queimado. É possível falar em dois Marajós, um das chuvas e outro da seca, pois tudo muda, em um mesmo lugar, ora se anda de carro, ora se anda de barco.

Hidrografia
Outro aspecto interessante da Ilha é sua hidrografia. A região é marcada pela presença de inúmeros rios, igarapés, lagos e furos que a entrecortam em todas as direções e representam importante papel na alimentação e transporte das populações, pois os rios são as principais vias de deslocamento e comunicação das cidades marajoaras.
No período da estiagem, no verão marajoara, os rios baixam seus níveis gradativamente, dificultando a viagem em certos percursos e até impossibilitando a navegação de médio calado. Quando as chuvas caem, porém, a paisagem muda, e as águas fluviais chegam até bem perto das habitações. Esta dinâmica tem influência direta na pecuária da Ilha, fato que tratarei mais adiante.
O rio é a principal via de deslocamento e comunicação da Ilha; por ele longas viagens são realizadas, viagens que chegam a durar dias. Pelos rios também chegam os produtos industrializados, e por ele também são levados os produtos extraídos e/ou produzidos pelas populações da Ilha. É pelo rio que, quase sempre, se chega e sai de uma cidade no Marajó.

Vegetação Quanto à vegetação, o Marajó é formado por floresta nativa, floresta secundária, cerrados, áreas de campos naturais, manguezais e vegetação de igapó. A leste da Ilha predominam os campos, que segundo Vicente Chermont Miranda (1943) são divididos nas seguintes categorias: campos altos, com solo arenoso ou de barro consistente, com plantas forrageiras de boa qualidade; campos pouco alagados, considerados os melhores para o gado, onde estão as melhores fazendas; campos baixos, alagados durante as chuvas, com solo atolento e vegetação cerrada que às vezes chega a cobrir o cavalo; mondongos, campos baixos, atolentos, em parte submersos, com poucas áreas mais elevadas, com predominância dos aningais, frequentemente habitados por jacaré-açú.
No litoral da Ilha, a vegetação cresce de acordo com o tipo de solo e dinâmica das águas. A vegetação de floresta ocupa, com preponderância, a região oeste da Ilha, formada por árvores de grande e médio porte, entrelaçadas por inúmeros cipoais. Tão diversificada como a vegetação, é a fauna local, com inúmeras espécies de mamíferos, aves, peixes, anfíbios, etc. dos quais muitos fazem parte da dieta alimentar do homem marajoara.
Por sua dimensão e diversidade, tanto natural como cultural, é possível falar não de um Marajó, mas de vários. Tem o Marajó dos campos, o Marajó dos lagos, o Marajó oceânico, o das ilhas menores. O Marajó que se relaciona mais com Amapá, como em Mexiana e Caviana. São vários Marajós (XIMENES, 2005).

Ocupação e colonização da Ilha de Marajó
Há poucos relatos históricos sobre a Ilha do Marajó e sobre o povo que ali vivia antes do período de colonização da mesma. Em uma carta de Pe. Antônio Viera ao Rei de Portugal datada de 1659, o Padre relata que a Ilha é rica em espécies vegetais e boa para a agricultura. Três anos depois, uma expedição chefiada por Feliciano Coelho de Carvalho, filho do então governador do Grão-Pará, dirige-se à Ilha disposta a expulsar os estrangeiros e enfrenta uma tribo Aruã. A partir daí os enfrentamentos passam a ser constantes, ficando depois, a cargo dos missionários a tarefa de pacificar os índios (Vieira Barroso 1954).
O relato mais antigo que se tem notícia sobre o Marajó, é de autoria do Frei Gaspar de Carvajal que participou da expedição do Capitão espanhol Francisco Orellana em 1541, que partindo de Quito, alcançou o Oceano Atlântico, pelo rio Amazonas, aportando na Ilha do Marajó.
Posteriormente, com a expansão da dominação portuguesa na Amazônia, muitas crônicas escritas por missionários passaram a ser produzidas, embora se destaque que desde os primeiros relatos, o número de índios na Ilha já era bastante reduzido.
É, na verdade, através dos estudos arqueológico que se pode ter mais informações sobre os povos que viveram no Marajó. A partir de material arqueológico Betty Meggers e Clifford Evans, identificaram cinco fases de ocupação da ilha de Marajó, que seriam representadas por uma sucessão de culturas que não se relacionaram entre si. Assim, as cinco fases que se sucederam em Marajó foram: 1°Ananatuba (1100 AC – 200 AC); 2° Mangueiras (900 AC – 100 DC); 3° Formiga (100 AC – 400 DC); 4° Marajoara (400 DC – 1300 DC) e; 5° Aruã (1200 DC- 1700 DC).
A fase Marajoara foi que ganhou maior destaque nas pesquisas arqueológicas por conta da complexidade existente nessas sociedades, que contrariavam a idéia que se tinha sobre os primitivos moradores da Amazônia, o qual seriam povos de cultura simples e que teriam desaparecido por não poder sobreviver num ambiente tão adverso como o amazônico, cujo modo de sobrevivência estava condicionado aos fatores ambientais.
Nesse contexto, a Ilha do Marajó, por conta de sua posição geográfica estratégica, pelos recursos que dispunha e pelas feições de seu relevo e vegetação, passou a ser um espaço prioritário para a ocupação portuguesa, haja vista que seu território já vinha sendo invadido por outros estrangeiros, Segundo Baena (1968), desde 1654 já ocorriam conflitos entre os índios aruãs, aliados aos holandeses, contra os portugueses. A preocupação em assegurar o controle português na Ilha era tão grande que se chegou até a propor a transferência da capital de Belém para o Marajó.
Como os conflitos continuavam, e vendo o governo português decidiu não exterminar os índios, mas conquistá-los e controlá-los, para que esses servissem como mão-de-obra na própria colonização da Ilha. Neste processo, a participação das missões religiosas foi fator fundamental para o sucesso da ocupação do Marajó pelos portugueses. Em 1659, com uma comitiva composta por Oficiais, Principais e Mosqueteiros, Pe. Antônio Vieira é enviado à Ilha com o objetivo de estabelecer a paz. A partir daí a ocupação foi efetivada e a penetração dos jesuítas começou.
Com o progresso da colonização da Ilha, os missionários, mercedários e jesuítas, mostraram-se bons administradores e os locais que estavam sob seu controle, apresentaram grande desenvolvimento. Porém, o controle dos missionários, por ter se tornado poderoso acabou por provocar descontentamento por parte dos colonos e representar ameaças ao governo colonial.
Neste contexto, na metade do século XVIII, sob a justificativa de dar liberdade aos índios, o Marquês de Pombal, expulsa os jesuítas do Brasil e confisca seus bens. No Marajó, as grandes áreas ocupadas pelos missionários, que incluíam extensas fazendas de gado, são confiscadas e os rebanhos transferidos para as mãos do governo português.
Após a expulsão dos jesuítas, instaura-se um novo momento no processo de colonização da Ilha, que foi marcado pela distribuição e concentração de terras nas mãos de algumas famílias, intensificação da exploração indígena e expansão das fazendas para o interior da Ilha, dando origem a nova classe social: os fazendeiros, que detém até hoje o poder econômico da Ilha do Marajó.


Referências


ARAÚJO, Sônia Maria da Silva. Cultura e escolas-de-fazenda na ilha de Marajó, um estudo com base em Raymond Williams. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação da FEUSP. São Paulo, 2002.
BAENA, Ladislau Monteiro. Compêndio das Eras da Província do Pará. Universidade do Pará. 1968.
17(47), 2003.
BOULHOSA, Marinete da Silva. Museu do Marajó: resgatando, preservando e divulgando a cultura marajoara. Belém - PA, 1997 (Monografia – graduação em turismo – UFPA).
______. Ecoturismo no Marajó: O Desafio do Desenvolvimento Sustentável, num Cenário de Contradições. Belém-PA, 2001. (Monografia – Especialização em Planejamento do Desenvolvimento- NAEA/UFPA).
______. Ecoturismo e identidade cultural: a natureza sob o prisma do caboclo marajoara. Belém-PA, 2002 (Monografia – Especialização em Ecoturismo NUMA/UFPA).
CARVAJAL, G., A. Rojas and C. Acuña. Descobrimentos do Rio das Amazonas. Translated by C. Melo-Leitão. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1941.
GALVÃO, Eduardo. Guia de exposição de antropologia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1962.
JURANDIR, Dalcídio. Marajó. 3º ed. Belém: Cejup, 1992
IRANDA NETO. Marajó: desafio da Amazônia. 3ª ed. rev. e atual. Belém: Edufpa, 2005.
MIRANDA, Vicente Chermont de. Os campos de Marajó considerados sob o ponto de vista pastoril. Boletim do Museu Paraense de História Natural e ethnographia. Belém, n.5, p. 96-151, 1908.
NUNES PEREIRA, Manuel. A ilha de Marajó: estudo econômico-social. Série Estudos Brasileiros. n º8 Ministério da Agricultura. Rio de janeiro, 1956.



Um comentário:

  1. olá meu é Ronaldo e queria saber sobre o povo Tapajós que teria habitado a ilha, seus costumes, estórias e sobre a cerâmica marajoara.
    Obrigado

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