sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Vaqueiros marajoara
















Você sabe qual a origem do vaqueiro marajoara e porque ele é praticamente o ícone do Marajó?




Então venha comigo e conheça um pouco destes homens que constroem a história dos campos do Marajó...

 De índio a vaqueiro: a origem do vaqueiro marajoara
           
Montado em um cavalo marajoara, com o corpo ligeiramente inclinado para trás, a camisa aberta ao vento, calça enrolada até metade da perna, chapéu de palha enfiado na cabeça, pele curtida pelo sol, com apenas os dedões dos pés enfiados no estribo do cavalo, correndo pelos campos a tocar o gado branco e o búfalo. Este certamente é um dos personagens mais conhecidos do Marajó: o vaqueiro marajoara.

O vaqueiro marajoara é quase um ícone do Marajó, pois é a figura humana mais propagada e conhecida da Ilha. Ao folhear uma revista de turismo, ao navegar pela internet, ao abrir um folder ou ver um cartaz, fotografia, reportagem ou livros sobre o Marajó, ou ainda ao indagar às pessoas sobre o que lhe vem à mente ao falar de Marajó, pode-se constatar que a figura do vaqueiro é quase presença absoluta.

Sem desconsiderar, é claro, a dimensão geográfica da Ilha, bem como a diversidade natural e cultural e, as inúmeras atividades econômicas que nela são desenvolvidas; é possível afirmar que o Marajó dos campos, dos búfalos, dos vaqueiros é uma imagem recorrente, e está no imaginário de muita gente que, muitas vezes, nunca foi a Ilha. Mas onde estaria a origem disto?

Para se compreender o fato de ser um vaqueiro e não um pescador ou um barqueiro, a figura de maior destaque no Marajó, é preciso ir até o período de colonização da Ilha e observar as transformações sócio-culturais e econômicas provocadas pela instalação dos portugueses na Ilha do Marajó aos seus antigos moradores, os índios aruã.

Com o avanço da colonização portuguesa, ao lado das invasões francesas, holandesas e inglesas que já ocorriam, a ilha do Marajó, por conta de sua posição estratégica, que garantiria o controle do rio Amazonas e os recursos lá existentes, transformou-se em um importante campo de disputas dos povos europeus.

O navegador espanhol Francisco Yañez Pinzón teria sido o primeiro a chegar à costa nordeste da Ilha de Marajó no ano de 1499. Porém, no final do século XVI, eram os holandeses que desenvolviam um intenso comércio nas Guianas, tendo sido provavelmente os primeiros a estabelecerem contatos efetivos com os índios aruã.

Quando a Ilha começou a ser ocupada pela colonização, as terras marajoaras eram ocupadas por inúmeras tribos indígenas pertencentes ao grupo aruã, última fase de ocupação pré-colombiana no Marajó. Os aruã, segundo pesquisas arqueológicas e antropológicas, originaram-se do tronco lingüístico Aruak, que se distribuía pelos vales amazônicos, norte do Peru e Equador, sendo os aruã, uma das tribos mais representativas deste tronco linguístico, segundo Diégues Junior (1980).

De acordo com o mapa etno-histórico de Curt Nimuendaju (1981), havia na Ilha mais de cem tribos indígenas pertencentes ao grupo linguístico Aruak.

O povo aruã teria ocupado a Ilha por volta de 1.200 d.C. Foram contemporâneos ao período de colonização, e estenderam-se até o século XIX. Habitaram na costa amapaense, ilhas de Mexiana, Caviana e costa oriente da Ilha do Marajó. Eles estabeleceram-se em locais que já haviam sido ocupados por civilizações mais antigas, construindo aldeias às proximidades de rios navegáveis onde permaneciam cerca de vinte anos; praticavam a cultura de derrubada e queima para o cultivo de mandioca, milho, macaxeira, ervas entre outros; teciam redes, fabricavam canoas, além de dardos, arco e flecha. A cerâmica aruã é considerada simples, com predominância da decorativa (GALVÃO, 1962).

Assim, com a consolidação da colonização portuguesa, que contou com o apoio da igreja, com o estabelecimento da pecuária extensiva, que destaca Nunes Pereira (1956), serviu como importante elemento de povoação, conquista da terra, dominação do índio e fixação do colono, e com a introdução da mão-de-obra negra escrava, profundas transformações ocorreram na Ilha, não apenas no ponto de vista físico, mas principalmente cultural, pois sua conquista implicou na desorganização total do modo de vida das tribos indígenas que habitavam o Marajó, que além de terem suas aldeias transformadas em vilas de povoamento, serviram como mão-de-obra para a consolidação da colonização. 

Neste contexto, as transformações implementadas pela colonização portuguesa, que expandiu a lavoura, implantou a empresa pastoril e sistematizou a pesca, levou a reboque toda a organização sócio-cultural dos índios Aruã, transformando esses, em sua interação com brancos e negros escravos, nos primeiros vaqueiros da Ilha do Marajó, originados dentro de um regime escravocrata de trabalho. 

Miranda Neto (2005) salienta que ao se pensar numa Ilha, a primeira imagem que pode aflorar na mente é a de um pescador ou barqueiro, porém, as características físicas, geográficas e naturais da região leste da Ilha, por onde a colonização foi iniciada, propiciou o desenvolvimento da pecuária como principal atividade econômica e ofereceu o ambiente favorável para a formação de um novo tipo humano na Ilha: o vaqueiro, que se originou primeiramente dos índios e, historicamente, consolidou-se como um dos tipos característicos da Ilha do Marajó, pois na medida em que a atividade pecuária foi se consolidando, a figura do roceiro, coletor e do pescador, foi dando lugar a do vaqueiro marajoara.

Tratando sobre a formação da pecuária no Marajó, Pereira Nunes fala da participação da mão-de-obra indígena, nesse processo.  

Como à altura de 1564 já registrara Ayres Moldonado, ao descrever o estabelecimento do pastoreio nos campos dos Goitacases, também índios, Nheengaibas, Aruãs, Sacacas, Anajás, Maruanás, Mapuazes e outras, foram os mais eficientes curraleiros dos missionários e colonos lusos nas dilatadas campinas da ilha (...) Mas para isso muito concorreram a índole afetiva e delicada, a coragem e a inteligência daqueles índios marajoaras, cuidando, em base verdadeiramente humana, de rebanhos de animais bovinos, eqüinos, suínos, além de aves dos remotos campos da Península (...) Com o português aprenderam os índios de Marajó a trabalhar a gadaria amansando-a, pastoreando-a e rodeando-a na época da ferra e da apartação, aprendendo, quase ao mesmo tempo, ofícios de seleiro, ferreiro, carpinteiro, que lhes garantissem principalmente, tudo o que fosse necessário a sua cavalgadura (NUNES PEREIRA, 1956:49-50).

Sobre a participação da força escrava negra na composição da nova estrutura produtiva da Ilha, a pecuária, o autor acrescenta: 
Quando o negro foi introduzido na ilha e nas demais ilhas que barram a entrada do Amazonas, logo se irmanou nas mesmas vicissitudes e formas de trabalho, de luta e de sofrimento. Porque o vaqueiro índio, descido das malocas longínquas e o vaqueiro negro procedente em grande parte de centros de gadaria do continente africano, tinham um destino social comum: o de escravos, a serviço de colonos, mercedários, jesuítas e oficiais de El-Rei de Portugal (NUNES PEREIRA, 1956:59).

Deu-se, assim, dos índios aldeados, aos negros que foram trazidos inicialmente, para trabalharem nas lavouras, e depois, de homens livres, a origem dos vaqueiros do Marajó.

Mas o que contribuiu para fazer com que o vaqueiro do Marajó se tornasse esta figura tão representativa da Ilha? A meu ver, vários fatores concorreram para isto. Primeiramente, numa relação direta e óbvia, a secular pecuária da Ilha, que a tornou ainda no período colonial, num importante centro pastoril da Amazônia, espraiando-se pelos campos naturais da Ilha, em detrimento de outras atividades como a agricultura de mandioca, arroz, milho, cana-de-açúcar, a produção de cachaça de algumas fazendas e a pesca, consolidando-se como a principal atividade econômica do Marajó.

Somando-se a isto, tem-se a própria mídia que tem contribuído para que os cenários das fazendas marajoaras sejam conhecidos, cenários que estão no imaginário de muita gente que, às vezes, só conhece o Marajó pelo jornal, televisão, revista, internet ou de ouvir falar. Além da mídia, têm-se as publicações sobre o Marajó que correram o país, como os romances de Dalcídio Jurandir, cujo cenário das tramas eram as fazendas do Marajó; a classificação sobre os tipos regionais do Brasil do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE que desde a década de trinta, apresenta o vaqueiro como o tipo representativo do Marajó; e finalmente o turismo que tem, juntamente com as praias, as fazendas marajoaras, como principais atratividades turísticas, capazes de induzir fluxos para a Ilha. Esses fatores, certamente, contribuíram sensivelmente para reforçar a associação do vaqueiro ao Marajó, embora, a imagem construída e divulgada do vaqueiro marajoara, principalmente no que diz respeito ao turismo, é de certa forma idealizada e romantizada, o que muitas vezes oculta sua real condição sócio-econômica. 


REFERÊNCIA

BOULHOSA. M. S. Entre a sela e o santo. IFPA, 2017.